Mais uma questão ética
Centro de Estudos do
Genoma Humano da USP
No mês passado relatei um dilema ético sobre um caso de hemofilia. A questão que se colocava era se devíamos contar a uma consulente que seu pai biológico não era quem ela pensava ou se devíamos fazer um teste genético sabendo de antemão que era desnecessário. Vários leitores afirmaram categoricamente que devemos dizer sempre a verdade. Então vou contar outra situação que tive de enfrentar e gostaria de ouvir novamente a opinião de vocês.
O caso: diagnóstico pré-natal para distrofia muscular progressiva
Eu estava no laboratório quando recebi uma chamada telefônica de uma senhora que se apresentou como assistente social. Queria saber se eu poderia fazer um diagnóstico pré-natal para determinar qual era o risco de um feto ser portador de um gene que causa distrofia muscular progressiva. Recordando, as distrofias musculares progressivas englobam várias doenças genéticas caracterizadas pela degeneração progressiva da musculatura. Uma das formas mais graves é a distrofia muscular de Duchenne, que só afeta meninos. Apesar de já nascerem com o gene defeituoso, os sinais só começam a partir dos 3-4 anos de idade: quedas frequentes, dificuldades para se levantar, subir escadas, correr etc. Essas dificuldades vão se agravando de modo que esses meninos perdem a capacidade de andar por volta dos 10-12 anos. A fraqueza continua progredindo e atinge os membros superiores.
A grávida era uma índia
A assistente social me contou então que se tratava de uma índia que já tivera dois filhos afetados. Era a terceira gravidez e ela estava no oitavo mês de gestação. "Qual é o propósito de se fazer um diagnóstico nessa fase?", perguntei, surpresa. E foi então que ela me revelou uma situação chocante. Na tribo onde vivia esta índia, era costume enterrar viva qualquer criança que nascesse com um defeito visível. Como no caso da distrofia a doença não se manifesta antes dos 3-4 anos de idade, ela temia que a tribo quisesse enterrar esse bebê prestes a nascer para não correr nenhum risco. Afinal, a mãe já havia tido duas crianças afetadas. A esperança da assistente social era que o teste genético revelasse que a criança não seria afetada, salvando assim o bebê.
O que esperar do teste genético
"E se o teste genético revelasse que o feto seria afetado? O que aconteceria?", perguntei angustiada. Ela não soube responder. E aí pergunto, caro leitor: o que você faria no meu lugar? Você se recusaria a fazer o teste, ou faria e contaria a verdade, qualquer que fosse o resultado?